Somos todas e todos servidores públicos. Tenho muito orgulho de ter escolhido este caminho, especialmente depois da Constituição de 1988 e da fantástica mobilização social que resultou na LDB de 1996.
Lembro, em 1975, eu ainda estudante, das perseguições políticas nas escolas, fábricas, empresas e universidades. A luta pela igualdade de direitos, por vida e trabalho digno, era respondida corajosamente por trabalhadores do setor público e privado e estudantes, que teimavam em resistir, em anunciar a dignidade a que todos nós temos direito em uma sociedade republicana. No setor público, especialmente na educação, quantos dos nossos colegas “jovens há mais tempo” estiveram, lado a lado, incansavelmente, lutando por uma educação pública de qualidade social, assim como na saúde, por um sonho de SUS, no direito à moradia, trabalho (no campo e na cidade), entre outros direitos que são fundamentais pela Constituição Brasileira. Eram tempos duros, difíceis, de tortura, assassinatos, de pessoas sumindo, de medo. “Cale a boca”, diziam meus pais, e “respeite a ordem”. A Ditadura de 64 era a ordem.
Sobrevivemos, muitos. Em 30 anos, muito avançamos nesta jovem república brasileira na gestão democrática da educação, da saúde e dos gastos públicos. Em 80 anos de República (desde o direito ao voto secreto e ao voto das mulheres), somente neste momento ampliamos, de fato, o acesso à educação, com uma gestão que deveria ser democrática, das pessoas da comunidade sobre a escola pública. Mas hoje vejo um filme de horror na minha frente. Deste cenário, chamo a atenção dos colegas para o que está ocorrendo na gestão educacional:
A gestão democrática hoje é duramente atacada por aqueles que elegemos para nos governar. O sistema de indicação política de diretores de escola, baseado nos acordos com aliados de campanha, que este governo implantou quando decidiu acabar com a indicação democrática dos gestores das escolas municipais pela comunidade, acabou, nestes três anos de gestão, criando enormes problemas e arbitrariedades truculentas e algumas ilegais.
O colega servidor que elegíamos na comunidade era colega, era trabalhador, conhecia e assumia o diálogo da comunidade com o gestor. Hoje este colega não representa a nós e nem a comunidade, sua função é a de cumprir ordens e cercear questionamentos, e este filme conheço bem, do nosso passado, lembram?
- as reuniões pedagógicas, que antes eram espaço de multiplicidade de opiniões, de criatividade, de diálogo, de troca de experiências, planejamento e de crescimento pedagógico, hoje são apenas para recados da SMED. Dirão: “… mas isto não é orientação da SMED”. Mas as pessoas que ousam levantar objeções ou críticas são “problemáticas”, agitam a ordem estabelecida de cima. E sofrem consequências. Inclusive direções de escola indicadas. Não temos mais reuniões de planejamento e formação. Temos instruções. E se a realidade não se adequar, se virem.
- Nas relações de trabalho, assistimos a uma perseguição e intimidação, um assédio aos servidores que ousam questionar. São vistos como agitadores. O silêncio é o que se busca. Perdemos a conta de quantos colegas procuraram o SIMA porque simplesmente foi solicitada a remoção de sua lotação para outra escola. O diretor dizendo que é ordem da SMED, a SMED diz que é indicação do diretor. Documentos, justificativa? Nada… Uma informalidade arbitrária e assustadora… Isto quando a direção da escola não produz atas contra o servidor, sem a presença do mesmo, forjando criminosamente situações para sua transferência de escola. Um “cala a boca meu filho”, de novo… Educadores calados, acuados, silenciados. O bom educador agora é o cumpridor de ordens, apenas.
- Esta pandemia só agravou o problema: silêncios da SMED e das direções à comunidade sobre as reais condições de atendimento dos estudantes, em caso de retorno híbrido, exposição de trabalhadores terceirizados sem EPI adequados, redução de pessoal no quadro das escolas, resistência em efetuar as necessárias reposições de pessoal, porque entre afastados, aposentados, etc., também muitos foram deslocados para outras secretarias de governo, precarizando ainda mais a educação municipal.
Em meio a este cenário, na segunda-feira passada, dia 15 de março, fui surpreendida com o despejo do Conselho Municipal de Educação do prédio público onde era sua sede, pela Secretaria Municipal de Educação! Sem diálogo, como de costume, quatro funcionários esperando para retirar o Conselho do local e desocupar o espaço. A alegação posterior foi de que o prédio era de outra Secretaria Municipal e que estava solicitando o espaço.
Os Conselhos Municipais foram pensados na Constituição de 1988 para serem representativos de quem usa o serviço de educação, de saúde, etc. Devem ser autônomos, ser respeitados e ser fortalecidos. Esperamos que os governos democráticos defendam e protejam, fortaleçam estes órgãos fiscalizadores.
Mas, na educação, hoje, o Conselho é desapropriado até do espaço físico, jogado em uma salinha de uma escola municipal de educação infantil. A comunidade, que começava recentemente a entender e a ter como referência o CME, perde mais este espaço neste momento.
Todos somos servidores. Mas nossas ações diárias escrevem a história do futuro da cidade. A morte da democracia, o silêncio dos educadores e o desmonte dos órgãos de democratização da cidade serão a herança que deixará este governo às gerações futuras. O assédio moral cumpre papel estratégico como parte de um sistema em que é proibido questionar as ações de governantes rodeadas de erros e de atropelos. É necessário que a categoria se reconheça enquanto classe trabalhadora e se fortaleça para combater os seus inimigos.